Sofia Beça, escultora cerâmica, expõe pela primeira vez em Mértola o seu trabalho que, embora radicado na escultura e na cerâmica, assume-se como multiforme e convoca as artes visuais de forma abrangente, rompendo os limites da área disciplinar na qual se inscreve. Nas obras apresentadas em “Consequências na Matéria” a noção de paisagem é abordada a partir de murais de parede ou pequenas obras escultóricas, ancoradas na técnica da lastra, usando o forno de lenha para a cozedura das suas peças. Ondulações, montanhas, vales ou jardins são descobertos em obras que desafiam a nossa perceção ótica e intersectam as fronteiras da pintura e da escultura. Outras, de cariz mais tridimensional, remetem-nos para questões de demarcação e de conquista. Podemos imaginar marcos ou soldados estilizados que defendem os seus territórios inscritos na sua pele feita de grês.
Alejandro Ratia, escritor e crítico de arte espanhol, realça esta faceta de Sofia Beça da seguinte forma: “A artista transforma-se em topógrafa. Descreve ou inventa uma paisagem. E dentro dessa atividade topográfica encontra-se também a marcação de território através de marcos ou pontos geodésicos. Estas marcas modernas convivem com outras mais tradicionais, muitas vezes ligadas ao culto religioso, como por exemplo cruzes ou estrelas. Uma das principais funções da escultura foi precisamente esta: a demarcação de limites. O que significa também dotar o território de um sentido, uma função primordial a que Sofia Beça regressa. (…) No entanto, em Trás-Os-Montes, onde a artista cuida do seu forno de lenha, é ainda com pedras que se demarcam os terrenos. Poder-se-á aqui aludir a uma política do território, se aqui introduzirmos os títulos de propriedade ou os sinais de conquista”
Sofia Beça deambula assim entre a Paisagem e a História, mas não esquece temas tão atuais como o isolamento ou a solidão, materializados em esculturas de uma abstração dialogante e de uma força capaz de aprofundar os sentimentos que temos perante elas. Paradoxal é a sua obra intitulada “Não, não estamos todos no mesmo barco” numa clara alusão à situação pandémica que atravessamos e em particular à condição assimétrica do mundo das artes.
Tiago Guedes
Comissário da exposição
2021
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