terça-feira, 7 de novembro de 2017

Texto de Rute Rosas para a exposição "Deambulações" de Sofia Beça com colaboração sonora de Jorge Queijo

Deambulando pelo mundo em direcção às origens

Deambulando…
Sem rumo, orientação ou direção definidas, pelo mundo ou através dele…
Por territórios, por gente e pessoas… que edificam relações afetuosas, de amizade, amor e desamor: viagens.
O conjunto de trabalhos “Branco da China” ou “Made in China” e, especificamente, “Made in China – Habitáculos de felicidade” tratam a leveza do branco da porcelana, com apego reflectido, em organizações compositivas metódicas e melódicas.
Uma pausa para um chá!
Em alguns destes objectos as sonoridades compostas por Jorge Queijo criam ambientes e convidam a uma relação com o fruidor mais aproximada e atenta que segreda ao ouvido. São “percursos sonoros” que entrelaçam o Oriente com o Ocidente mas também incorporam sons do universo do trabalho da Sofia Beça: o rachar e estalar da lenha quando arder no forno, a sensação de calor que a pele dos objectos contém.
Estes “Percursos Sonoros” sugerem também, pelas suas formas, instrumentos musicais de sopro, mas cuja organicidade e plasticidade facilmente associamos ao princípio da vida vegetal e animal: são as sementes, os casulos, os óvulos.
Luzes e sombras, cores e tonalidades, temperaturas, cheiros, texturas e sons…
De terra, com terra, água e fogo, de argila, com trabalho… com as mãos…

“A terra, com efeito, ao contrário dos outros três elementos, tem como
primeira característica uma resistência. Os outros elementos podem ser hostis, mas não são sempre hostis. A resistência da matéria terrestre, pelo contrário, é imediata e constante.”
Gaston Bachelard, in A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginação das forças

Bachelard confronta-nos com diversas categorias da Imaginação e com a ideia de uma experiência cognitiva material (ou a imaginação das mãos) - essa imaginação material e dinâmica, expressa através dos padrões recorrentes dos quatro elementos alquímicos (terra, água, ar e fogo), é, por Bachelard, considerada a linguagem primária do inconsciente.
A imaginação material desafia a resistência e as forças concretas, num corpo-a-corpo com a materialidade do mundo, numa atitude dinâmica e transformadora.
É preciso que um devaneio encontre a sua matéria, é preciso que um elemento material lhe dê sua própria substância, sua própria regra, sua poética específica – expressão - materialização – possibilidade de socialização. No trabalho da Sofia Beça a matéria e o resultado já foi eleito há muitos anos - a Cerâmica.
Os painéis cerâmicos ”Deambulando” ou “Deambulando nas Montanhas” trilham caminhos e remetem para terenos xistosos, estratificados e que acumulam História. São do tempo no nosso espaço – e procuram orientar-se, ou serem conduzidos num caminho que tem como repouso a casa… as origens. Mas
“sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível dentro dos fragmentados corpos
e um dia......quem sabe?
chegaremos”
Al Berto, in Tentativas de regresso a casa

No regresso das viagens da Sofia Beça, dos passeios ou mesmo devaneios… está sempre presente o cheiro e a cor da terra quente que aguarda a chuva. Um movimento de saída e entrada enriquecidos pela experiência que é viver.
“...movemo-nos lentamente para fora de nossos corpos
e devastamos, devastamos...”
Al Berto. in Truque Tóxico



Rute Rosas, Porto, outubro, 2017

Artista Plástica – Escultora, Professora do Departamento de Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, PhD Teacher e Membro Integrado do I2ADS – FBAUP.