Memórias
à flor da pele
“Mesmo
que alguém fosse capaz de expressar tudo o que está no seu interior, não
o conseguiríamos compreender.”1
Quatro anos depois de Escultura
Cerâmica Hoje – 5 autores portugueses e O Antes, o Durante
e o Depois releio os textos que escrevi para exposições da Sofia
Beça. O percurso continua a ser desenhado no esforço de ver respondida
uma inquietação humana: Qual o melhor caminho?
Talvez pelas pedras da
calçada com atenção às que se soltam ou deslocam do seu lugar; ou saltitando de
telhado em telhado incerta da estrutura que o sustenta; ou, quem sabe, correr
sem destino atenta à sensação do vento a tocar na nossa pele, que nos congela o
rosto, enquanto o corpo liberta um calor que nos humedece.
Na ausência de
representações miméticas, as manifestações plásticas da Sofia Beça ficam
marcadas pela utilização da cerâmica e, nos últimos anos, pela conquista de um
espaço no qual é evidente a crescente depuração, quer no tratamento da matéria,
como na síntese formal.
A
exposição Memórias à flor da pele transporta-nos para o que está
simultaneamente longe e perto de nós ou para o modo como o passado pode ser
ativado para o presente - que neste momento se torna, incontornavelmente,
passado. Momentos da experiência vivenciada e acerca da qual fará sentido
exaltar a intensidade ou dimensão que nos arrepia o corpo e nos abala a alma. A
pele que, nos trabalhos da Sofia Beça, possui a expressividade de catarse, de
purgação. Pele de texturas e tonalidades que sugerem pequenas explosões
contidas, automatismos quotidianos, intermináveis repetições de gestos, ações
organizadas, percursos e rotinas realizadas aqui, nesta terra, com a terra, com
a argila que absorve, como nós próprios Absorvemos…
Memórias à flor da pele é igualmente título de uma
obra em parceria com o Paulo Pimenta. Duas reflexões sobre o si -
self - de estrutura não-linear e não cronológica que resultam numa espécie de
diálogo espelhado onde se gravam registos fragmentados através e entre os quais
nos poderemos encontrar ou reencontrar. Uma escrita a duas mãos que no trabalho
do Paulo Pimenta é sempre entendida como um momento de partilha.
As suas fotografias são como
mergulhos profundos, discretos, complexos e silenciosamente perturbadores.
Partilhas do sentir pelo ver e que, bem distinto do olhar
desatento do quotidiano contemporâneo, se cravam em nós. São viagens de, pela e
sobre vida - pelos tempos e pelos lugares dos nossos mais diversos eus. São
corpos que encarnam personagens e que espelham fantasias, fantasmas, o agridoce
dos momentos, dos seres humanos, de lugares mais próximos ou mais distantes,
inquietando os nossos mais íntimos segredos e medos.
Assim, exprimem-se
sentimentos tão diferenciados e tão próximos como a paixão ou a mágoa, o amor
ou a perda, sensações e emoções que de tão silenciosamente se conterem parecem
aproximar-se da implosão.
Qual será o melhor caminho?
Talvez encontremos resposta
caminhando…, “desenhando e esculpindo a diferentes ritmos, velocidades…
sem pressa, mas em direcção a um objectivo agradável (Rousseau, Jean-Jacques,
1712-1778) no qual o tempo e a maneira como se desfruta dele,
sem saber o que sucederá
após o passo seguinte, estimula-nos a prosseguir.
Passeando, correndo,
parando, avançando em direcção a… seguimos e/ou somos seguidos,
tropeçamos, por vezes,
caímos e reerguemo-nos…
sentimos e somos sentidos,
observamos e somos observados, ouvimos e somos ouvidos, entendemos e somos
entendidos umas vezes mais ou melhor e outras vezes menos ou pior…
emocionamo
nos e emocionam-nos” 2.
Rute Rosas
Rute Rosas
Fevereiro, 2014
1 WITTGENSTEIN, Ludwig, in Últimos Escritos Sobre a Filosofia da Psicologia, tradução: António Marques, Nuno Venturinha e João Tiago Proença, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação e Bolsas, Lisboa, 2007, p. 91.
2 ROSAS, Rute, fragmento de texto a propósito da intervenção, Caminhando..., 2010, in Autocensura como Agente Poético Processual da Criação Escultórica- Projectos, Processos e Práticas Artísticas- Tese/Obra, FBAUP, 2011, P.46 e Http://www.ruterosas.com/pt/works/caminhando/
2 ROSAS, Rute, fragmento de texto a propósito da intervenção, Caminhando..., 2010, in Autocensura como Agente Poético Processual da Criação Escultórica- Projectos, Processos e Práticas Artísticas- Tese/Obra, FBAUP, 2011, P.46 e Http://www.ruterosas.com/pt/works/caminhando/
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