A exposição "Escultura cerâmica Hoje - 5 Autores Portugueses", continua patente em Zaragoza até dia 24 deste mês.
Aproveito para deixar aqui uma parte do texto que a comissária da exposição , Karin Somers, escreveu para acompanhar o catálogo que se editou em Amarante.
"...Podemos reconhecer no trabalho dos ceramistas portugueses apresentados nesta exposição algumas destas correntes artísticas: a obra expressionista e monumental da pioneira Cecília de Sousa que remete frequentemente para uma arqueologia ligada aos lugares dos seus afectos, a força telúrica da transformação matérica nas peças de João Carqueijeiro, as construções lúdicas de imaginário arquitectónico e mecânico de Heitor Figueiredo, enriquecidas com irreverentes pormenores em materiais recuperados. O carácter conceptual das instalações de Sofia Beça, metáforas das suas vivências inspiradas na natureza, confirma uma contemporaneidade que também é reforçada pela contaminação de outras disciplinas artísticas como a fotografia e a música. Virgínia Fróis, cujas peças reivindicam uma dimensão simbólica e espiritual alimentada pela força inspiradora dos lugares que irão habitar, também partilha de uma abordagem conceptual quando perpetua em vídeo todas as fases através das quais a peça se vai transformando.
A singularidade da escultura cerâmica alimenta-se de inúmeros aspectos de carácter técnico que definem a sua expressão. A aparentemente dócil matéria-prima é de uma infinita versatilidade mas o desafio de fazer dela uma obra artística exige trabalho longo e árduo, muito ofício e anos de experimentação com pastas, cores, temperaturas e fornadas, pois se a imprevisibilidade em maior ou menor grau do resultado faz parte do encanto de ser ceramista, não se entrega no entanto o que pediu tanto dedicação à força transformadora mas potencialmente demolidora do fogo sem domínio.
Ao longo dos tempos, por todo o lado, muitas maneiras de submeter o barro ao fogo foram encontradas, de acordo com os recursos disponíveis, a composição das pastas utilizadas e o carácter das suas superfícies. Sofia Beça tira partido do comportamento mais temperamental do seu forno a lenha para enriquecer as suas despojadas peças com manchas de fumo e tons de redução. O ambiente neutral e estável do forno a gás usado por Heitor Figueiredo faz sobressair as delicadas cores e texturas das suas obras. Por sua vez Virgínia Fróis transforma a cozedura da sua obra num ritual, em que o acto de incendiar a peça adquire uma dimensão performativa.
Basicamente há duas maneiras de fazer uma escultura em cerâmica: extraí-la de um bloco de barro, esculpindo-a no verdadeiro sentido da palavra, tendo o cuidado de escavar o seu interior, como trabalha Cecília de Sousa, ou fazê-la modelando, isto é, acrescentando organicamente como faz Sofia Beça ou construindo como Heitor Figueiredo.
Em relação a qualquer outra técnica escultórica, na cerâmica, o escultor tem a vantagem de poder apresentar a superfície das suas obras de infindáveis maneiras que vão do brilhante ao mate, da cor viva aos tons mudos, do liso ao rugosos, aceitando qualquer tipo de textura, tudo possível, como esta exposição demonstra eloquentemente.
Resta abordar a questão da escala. Compreende-se que, tendo em conta os materiais e a técnica utilizados, é complicado fazer escultura de grandes dimensões em cerâmica. O problema resolve-se trabalhando em módulo, que se juntam ou encaixam. Bons exemplos disto são as "formas perdidas" de Cecília de Sousa e as colunas de João Carqueijeiro. Outra maneira de ampliar o volume ou a área da obra consiste em fazer uma composição de vários elementos separados distribuídos no espaço, como fazem Sofia Beça ou Virgínia Fróis. Por vezes Heitor Figueiredo combina a parte feita em cerâmica com a parte em ferro ou madeira, o que também resulta numa ampliação da dimensão da peça.
Não há dúvida de que a escultura cerâmica partiu à conquista do seu lugar como disciplina artística contemporânea no panorama mundial. No entanto ainda se move bastante num mundo à parte, feito de bienais de cerâmica e de exposições em espaços e galerias a ela especificamente dedicados. Assim também acontece em Portugal.
Com esta exposição pretende-se de alguma forma dar mais visibilidade a esta tão singular manifestação artística e contribuir para a divulgação entre nós do trabalho de alguns dos mais destacados escultores cerâmicos portugueses de renome internacional. "
Karin Somers
Janeiro 2011