segunda-feira, 5 de julho de 2021

Consequências na matéria

"Os Solitários"                      

Grês, técnica da lastra, cozedura a 1270ºC em forno de lenha. 2021. 37 × 77 × 7 cm


Pequeno texto da folha de sala da exposição:

"Meu querido,

Enviei-te fotos de alguns dos trabalhos que fui fazendo desde que nos conhecemos. Lentamente foste servindo de mote ao meu percurso. Depois, com o confinamento e a nossa reaproximação, foste assumidamente o meu "muso" (as mulheres não gostam de reconhecer, mas eles existem, felizmente).

 Quem conhece a minha obra e já leu sobre ela, sabe que as minhas influências são a natureza e as relações humanas.

 Com o confinamento perdi a possibilidade de me basear em ambas, restaram-me as memórias das minhas caminhadas pelo monte e as pedaladas na bicicleta. Mas faltava-me a relação humana. O contacto físico e as conversas com a família, com os amigos, amantes, desapareceu.

As nossas conversas deram bons frutos na minha criação (modéstia à parte). Construí histórias imaginárias, umas bonitas, outras nem por isso, mas sempre imaginárias. Toda a nossa troca de conversas foi virtual.  Fui-te estudando e usando aquele teu lado mais interessante, que aos poucos ias revelando.

 Sem que me perguntasses o porquê, fui partilhando o meu trabalho, e foste-me ajudando a decidir o caminho. Foi bom nunca teres perguntado nem percebido a razão.

 Na realidade usei-te (descaradamente) para conseguir produzir esta obra. De outra forma ficaria uma exposição narcisista e sem "corpo".

 Cada peça tem um significado, o título pode orientar, mas também pode seguramente induzir em erro. Deixo essa dúvida, esse esclarecimento, para um dia quem sabe o discutirmos, quando não tiveres medo da minha presença física.

 Durante o confinamento fizemos companhia um ao outro. Recuso-me a acreditar que trocássemos mensagens diárias se não fossem interessantes para ti também. Tu reclamas, irritas-te comigo, mas gostas dos meus disparates (vá, admite).

 A exposição é dedicada a ti, mas não o tornarei público. Preservo a privacidade de ambos.

Não tenho habilidade nenhuma com as palavras, mas sem me alongar, creio que te escrevi o essencial.

 Fecha-se um ciclo, mas desejo que esta amizade que fomos construindo ao longe, se aproxime e perdure. Tu irritas-me com "pontos e as vírgulas", mas quando te deixas de detalhes mínimos, és um prazer.

 Uma coisa que acho que nunca percebeste, o meu sentido de humor e o ser sarcástica (e de tonta não ter nada). Características que dificultam muitas vezes a comunicação quando a sintonia não é plena.

 Um beijo bom para ti e obrigada

Sofia"

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